Virginia Almeida Ferreira.
O Manacá do jardim de minha avó.
A casa ficava na rua principal da cidade. Era um tipo de
sobrado possuindo um sótão que constituía um mistério para os netos, que lá não
podiam subir. O casarão em
forma de um L, possuía no centro
da construção um jardim. Por meio
daqueles caminhos de canteiros tão bem cuidados, vivi toda a minha
infância. Eram tantas flores: roseiras,
chuveirinho, boca de leão, brinco de princesa, bambuzinho, dálias, miosótis,
margaridas e muitas outras, que enfeitavam os olhos de minha infância. Mas,
nenhuma delas me chamava tanto a atenção como os manacás de cheiro. Muitos pés
foram plantados ali pelo velho jardineiro, que cuidava carinhosamente do
jardim. Imponentes e cheirosos os pés de
manacás, com suas flores branco-roxa-azulada, possuíam com certeza, alguma delicadeza
que tocava meu coração. O perfume de
suas flores era tão agradável que ficou preso ás recordações que tive de minha
vida de criança, naquele jardim. O
cheiro adocicado de suas flores no fim da tarde atraia centenas de borboletas
que realizavam uma espécie de bailado em volta de seus galhos, dando mais
beleza ainda às flores do pequeno manacá. Observava meu avô dando corda no
velho relógio, enquanto o som do piano de minha tia tocavando um La Comparcita,
acompanhava o vôo dos beija-flores que apareciam por ali. Muitas vezes, ficava
sentada à sombra do pé de manacá observando o balançar de seus galhos lotados
de pequenas flores, que também atraiam lagartas pretas e amarelas, de apetite
voraz que eram atacadas por pardais, fazendo uma espécie de seleção, natural
tão importante para o equilíbrio da natureza. Mas, o que não sabia na época é
que aquelas lagartas se fossem todas eliminadas, não se transformariam nas
borboletas que faziam um bailado multicolorido em volta das flores do jardim.
Lembro também que perdia muito tempo ali, gostava de tirar folhas do pé, só
para sentir a textura em minhas mãos... Coisas dos tempos de inocência. Às
vezes tirava flores do pé para sentir de perto seu perfume e por vezes as
colocava nos cabelos. Em alguma época do ano, via suas pequenas flores
desaparecerem para surgirem em outro espaço de tempo. Aprendi que “as flores
não são eternas”, elas desaparecem, - como a felicidade, os amigos e os amores.
Hoje sinto saudades daquele jardim, onde aprendi na ingenuidade de ser criança,
que possuir um jardim como aquele era de fato a essência de ser feliz, como se
a felicidade fosse constituída apenas em ter flores e sentir o seu
perfume. Hoje sinto saudades de quando
eu só tinha medo da noite, saudades de não desconfiar das pessoas, saudades do
tempo em que podia andar descalça na grama molhada do jardim ou no cascalho do
córrego que corta a cidade, outrora de águas limpas sentindo a sensação de
liberdade, saudades do tempo em que nunca tinha sido magoada, saudades do
balanço dos galhos floridos dos manacás de minha avó. O casarão da rua Dr.
Esperidião com seu belo jardim não existe mais e os pés de manacá também
partiram para um lugar incerto dando lugar a uma edificação. Agora, toda vez que passo por ali, sinto o
cheiro adocicado das flores do manacá que germinou em meu subconsciente e
guardo na lembrança o cheiro da “casa de vó” que marcou para sempre minha vida
de criança.
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